Eu nunca tive medo de morrer



Eu nunca tive medo de morrer. A morte sempre foi coisa de TV para mim, sempre esteve longe, inalcançável; achei que era apenas uma daquelas pessoas que me olham de longe na rua, sem se aproximar.
A morte vinha visitar alguns parentes de vez em quando, mas o meu estilo de vida e minha faixa etária tornava nosso encontro impossível, improvável. A morte era uma das garotas da escola da qual eu nunca seria amiga, não por medo, mas porque nunca tivemos a chance de nos cruzar e bater um papo, frente a frente.
Os meus medos eram bobos, coisa de criança, de menina mimada. Medo de ser rejeitada por um garoto, medo de ficar gorda, medo de não poder sair a noite com os amigos. Nunca entendi o que a palavra medo realmente significava, não sabia que medo era o zumbido nos ouvidos, os gritos abafados, o suor, a respiração forte e ofegante ou a falta de ar; não sabia que o medo nos fazia sonhar acordados, sonhos nada agradáveis; não sabia que o medo nos fazia estremecer, fazia nossos corações pararem de bater.
Foi quando o vi, frente a frente, que sabia que a morte sempre estivera por perto. O medo se materializou na minha frente, tomando a forma de um reflexo de luz num cano prateado de um revólver, um revólver apontado para o crânio do homem que eu amava. Entendi que a morte tinha uma voz feia, gutural, e que ela usava seres podres para falarem por ela. A criatura segurava meu medo com as mãos trêmulas, encostava-o na cabeça do homem que havia roubado meu coração.
Meu coração. Se a criatura em forma de homem deixasse seus dedos pressionarem o gatilho então certamente meu medo seria inserido na cabeça daquele homem ao meu lado...meu coração pararia de bater naquele instante.
Não, eu não vi toda a minha vida naquele instante, não vi filme algum em minha cabeça. Apenas vi o brilho me segar, senti meu coração bater como se meu corpo estivesse oco, deixei, mesmo que não por vontade própria, minha vida nas mãos de outrem, torcendo para que, quando eu abrisse os olhos, as criaturas tivessem ido embora, deixando-nos em paz. Não pedi nada a Deus, Deus não tinha nada a ver com aquilo. Só esperei pelo som que de alguma forma eu sabia que iria ouvir.
O som do tiro ecoou em meus ouvidos, invadiu meu corpo e reverberou em meu peito.
Abri os olhos, fechados com uma força sobrenatural até aquele instante. Não, eu não queria saber de mim, só olhei para a pessoa a meu lado e me deparei com um rosto assustado. Nada de sangue. Olhei pra mim.
Eu estou viva. E pela primeira vez na vida isso soa como uma vitória. Na verdade, soa mais como uma conquista dada pela sorte. Mas eu vivi, e isso é muito bom.
A sensação de pânico, porém, vinha como ondas. Um alarme soava em minha cabeça: e se eles voltarem? E se decidirem acertar o tiro?
Corremos.

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